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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Herói da vida real.

27 de Novembro de 1998







Sou péssima com datas, mas existem algumas que jamais esqueço, essa é uma delas. Nos últimos 12 anos esse dia é lembrado. É uma uma espécie de cicatriz na minha memória, superficialmente ela parece estar cicatrizada, mas basta ela ser tocada/mencionada/falada ou ela chegar para que começe a sangrar. É uma dor íntima, difícil de descrever. Nos primeiros anos eu não me conformava, mas com o tempo começei a compreender que existia um propósito maior nessa história.



Apesar de quase 21 anos de vida, considero que minha vida começou a partir dessa data naquele ano. Eu tinha 08 anos, quase 09, ora quase 09 não é exatamente 08. É QUASE 09. Entende? Sim.. eu sempre quis estar a frente da minha idade, fazer coisas além do que podia, tinha sede de conhecer, de fazer, de viver, de ser (...) Sonhos? ora ora... meu anjo da guarda tinha um trabalhão comigo, Deus então...nem se fala.


Mais naquele momento o cara lá de cima já tinha um plano para mim. No começo eu não entendia o que estava acontecendo, a imaturidade da minha idade não permitia. Lembro-me como se fosse hoje: Minha mãe sempre me buscava na escola, eu com minha mochila de rodinhas, saia branca de prega no joelho, blusa branca com vermelho e meu tênis preferido sujo (era pra ser branco, porém após chegar no colégio inesplicavelmente ele ficava preto...rs) , porém naquele dia a minha rotina foi diferente. Minha tia me buscou no colégio... e eu como sempre falei pelos cotovelos e queria saber de tudo, logo questionei o porquê daquela situação, ela até tentou explicar, mas a única coisa que eu queria era chegar logo em casa pra ir assistir desenho animado. Entrei correndo de nem liguei.. até que minha tia chamou eu e meu irmão e explicou que o meu pai tinha sofrido um acidente, e estava no hospital. Não lembro se eu chorei.. mas acho que não. Os dias foram passando e a mamãe continuava viajando para Teresina, isso sim me incomodava e a ausência do meu pai gritando pra eu tomar banho e lavar 234324 vezes as mãos por dia também começava a incomodar. Acabou as aulas, férias... e a mamãe ainda não tinha voltado. Até que viemos a Teresina, não me recordo da viagem, a não ser a parte que a estrada tinha MUITO, muitos buracos. Fomos para o hospital e eu vi a mamãe... lembro que ela estava triste e eu fui logo pulando e correndo. Tava morrendo de saudades. Ela estava séria e junto com o médico explicou que iriamos ver o meu pai, mas que ele não podia falar e que não podiamos demorar muito, pois ele não podia se emocionar (não entendi o que significava se emocionar...) e eu concordei com tudo, menti dizendo que entendi tudo, (claro, eu não podia dizer que não havia entendido, eu me achava muito esperta..rs) então após muitas recomendações entramos no quarto.. era relativamente pequeno e tinha uma cama no canto direito do quarto, com tubos, fios e meu pai... mais que não parecia nada do meu pai, ele não falava... só chorava... então eu entendi o que significava se emocionar, não entendia ainda o porque dele chorar tanto...mais entendia que ele estava emocionado. Eu chorei também... nunca, NUNCA até aquela data eu o tinha visto chorando, tão frágil.. nem parecia o chato do meu pai que gritava e brincava comigo todo dia...rs

O tempo passou... ele não morava mais la em casa... porquê? Porque em Floriano naquela época não tinha clínica de hemodiálise. ( o que é isso? ) naquela época eu não sabia.. e demorei muito a entender o que significava também...meu pai emagreceu, a comida era separada, sem sal. Ele não falava, tinha uma médica que ia ensiná-lo aquilo que eu estava aprendendo na escola... ele também não caminhava, a mesma médica fazia exercícios por ele... Aos poucos ele voltou a falar, mas falava de um jeito engraçado, não pronunciava mais como antes.. ele também voltou a andar, mas também não andava como antes... TODOS os finais de semana enquanto ele morou em Teresina a mamãe ia na sexta-feira buscá-lo e voltava pra Floriano e no domingo pela manhã voltava para Teresina e voltava para Floriano de novo... e foi assim durante alguns anos... até que abriu uma clínica de hemodiálese em Floriano e ele voltou a morar conosco. Ao invés de um pai, ganhei um irmão mais novo que eu. Nessa época entendi o que significava um pai, a importância dele... e entendi que ele era meu mundo. Eu e ele brigávamos o dia inteiro, e no final da noite ele ia no meu quarto e dizia: "Lal-linh-nha vo-ocê viu o joor-nal?" ..rs claro que não, né? Mas passei a assistir... isso quando não brigávamos porque só tinha SKY no quarto dele e eu queria assistir desenho animado e ele queria ver a porcaria do jornal, sendo que a casa tinha 32434 Tvs, e ele podia só uma SKY..rs brigávamos por horas pelo controle remoto, ele ficava na frente da TV pra eu não assistir e eu saia bufando com ódio para a mamãe...rs

[...]


Médicos. HEMODIÁLISE Viagens. AVC. Remédios. AVC. Comida diferentes. TOC. Talheres separados. TOC. Pratos separados. TOC . Vários banhos por dia. AVC. Lavar as mãos com álcool. TOC. Sangue. AVC. Exames. HEMODIÁLISE. Injeções. TOC. Aparelho de pressão. AVC.

No final? O maior exemplo de vida, um guerreiro que nunca desistiu de uma única batalha. Mais do que um PAI, um IRMÃO. Um vencedor. MEU PAI. Amo Incondicionalmente e pra sempre. Onde quer que você esteja agora... sabe o quanto sinto sua falta.


att, Lara Pontes





Um comentário:

  1. É uma situação muito delica esta... minha vó passou por algo parecido há seis anos. Teve dois AVCs e ficou com certas sequelas em razão da demora dos médicos. Tornou-se filha da minha mãe, dependente pra tudo... no começo tb nao falava direito, nao caminhava... hoje ela fala, mas de uma forma diferente, juntando sílabas de várias palavras, e às vezes, qd está a fim, caminha com a ajuda da enfermeira. Só que apesar disso tudo, o cérebro dela é perfeito, ou seja, ela tem lembrança de tudo, de quem ela era, e acho que isso é o que mais dói, pois ela sabe como era e como ficou... e as pessoas às vezes a subestimam, achando que ela n tem registro das coisas, mas por exemplo, havia uma enfermeira que a maltratava e ela soube dizer isso à minha mae... é bem complicada tda essa situação q a gente se perg. se valeu a pena ela ter lutado tanto pra estar vivendo uma vida reduzida, diferente da q tinha antes... qm acredita em Deus tem um conforto... só q ela nao é mais aquela mulher forte; ela voltou a ser uma criança q precisa de cuidado... mas enfim... eu sei como tu te sente, ou ao menos chega perto, pq afinal na tua situação era teu pai... te desejo tudo de melhor... bjs...

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